'Golpada Americana' - O fim de uma trilogia de emoções

Um ano depois de Guia para um Final Feliz (2012, crítica aqui) e três depois de The Fighter - Último Round (2010), David O. Russell traz-nos, em pleno estado de graça, Golpada Americana (2013), aquele que o realizador nova-iorquino considera ser o terceiro momento de uma trilogia. Uma trilogia de emoções, diria eu. Um sucesso a todos os níveis, acrescentaria também. Russell, por esta altura, não sabe fazer maus filmes. Embora, neste caso, não tenha tido um dos seus pontos altos.

Nesta espécie de terceiro episódio, Russell conta-nos uma história da qual realço a frase que lhe dá início: «Isto pode mesmo ter acontecido». Baseada em factos verídicos, Golpada Americana leva-nos até à década de 1970 e a Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Sydney Prosser (Amy Adams), um casal apaixonado na relação e pela genialidade criminal.

Os dois formam, até prova em contrário, o casal criminoso perfeito. A prova aparece-lhes na pessoa de Richie diMaso (Bradley Cooper), um agente do FBI que, em troca de uma "palavrinha" favorável ao casal no processo que os envolverá, os coloca a trabalhar para ele. Vão fazê-lo infiltrados no submundo da máfia e do tráfico de influências, fazendo uso das suas qualidades como vigaristas. A partir daí, a história segue o seu caminho, tal como toda aquela gente. Todos rumo à golpada final.

Bradley Cooper e Christian Bale, dois dos elementos principais da trama de Golpada Americana. Foto: cinemagia.ro.

Enganem-se os que acham que o percurso de todos eles seguirá o rumo normal de um filme deste tipo: com um sucesso inigualável na golpada e um final feliz. Não, o final feliz era no episódio anterior de Russell. Aqui, há outro rumo a seguir.

A história, com um final inesperado, sofre alguns revezes e está, apesar de algo confusa na interligação de momentos, bem contada. Como disse antes, Russell não sabe fazer maus filmes. O elenco está a um nível altíssimo, destacando-se, entre todos, Amy Adams, que, na complexidade da sua personagem, consegue ser o fio-de-prumo de todo um filme. Das quatro peças essenciais a esta história, apenas ela parece ter o que é necessário para merecer um Óscar este ano. Numa outra nota de destaque, uma menção honrosa para Louis C. K., que constrói uma personagem engraçada na sua tragédia e com alguma tragédia na sua graça. Um ponto alto deste filme.

Ao nível do desempenho da representação em Golpada Americana, vemos também uma espécie de best-of do realizador: Amy Adams e Christian Bale, de The Fighter - Último Round, e Jennifer Lawrence e Bradley Cooper, o estranho casal de Guia para um Final Feliz. Tal como nos títulos anteriores desta trilogia de Russell, este quarteto, acompanhado de argumentos fabulosos nos três casos, "roubaram" os filmes e entregaram-se de corpo e alma àquilo que o realizador lhes foi pedindo, dando muito espaço para que fossem eles mesmos a fabricar aquelas emoções, aquelas cumplicidades, aqueles tempos. Só assim faz sentido e Russell é quem é porque dá esse espaço a quem deve brilhar nas cenas que idealiza.

No meio de um elenco de luxo, é Amy Adams quem se destaca com uma interpretação individual tão marcante como as emoções que rodeiam todas as personagens de Golpada Americana. Foto: cinemagia.ro.

O norte-americano, à falta de uma cena virtuosa que se destaque após The Fighter - Último Round e Guia para um Final Feliz, apresenta uma realização que cumpre bem o que a história pedia, ainda que sem se destacar. Onde Russell assume o protagonismo é, porém, no argumento, que escreveu com Eric Warren Singer. Uma história interessante, com uma escrita inteligente, com ritmo e contada com os detalhes certos.

Mais do que contar o rumo de um golpe criminoso, há uma grande incidência no amor, na paixão, nas lutas interiores com as relações que tiram mais do que dão. É um filme de crime praticamente sem armas, já que é utilizada sempre a mais poderosa de todas: o cérebro. A Golpada de Russell é um meio para atingir um fim. O nova-iorquino pretende construir aqui a tal trilogia de emoções. Tal como nos outros dois filmes, conta histórias improváveis, com personagens bastante caricatas e com muito pouco que, à partida, as ligue ao espectador. Mas é a forma como traça o decorrer da história e as leva para campos emocionais que nos são familiares que torna os seus filmes especiais.

Golpada Americana está claramente abaixo de The Fighter - Último Round e Guia para um Final Feliz. Não é tão emocionante como o primeiro nem emocional como o segundo. A ligação entre uma golpada e o sofrimento emocional dos protagonistas não é conseguida da melhor forma, acabando por perder-se algo nesse caminho entre os dois lados.

Ainda assim, é óbvia a felicidade do resultado final deste filme: Russell mostra que consegue, com o ponto de partida mais improvável, estabelecer ligações emocionais entre as próprias personagens e o espectador. Consegue mostrar que, em todo o lado, há amor, desamor, paixão e uma grande dose de loucura aliada a tudo isto. Mas, acima de tudo, mostra que - como se costuma dizer - de louco, todos temos um pouco.